Decoração

A Curitiba que sobrevive nos velhos armazéns

Daliane Nogueira
29/07/2015 01:00
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Descendente de italianos, Gabriel Zequinão toca o negócio da família desde 1958. No detalhe, o livro de registros de 1977. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.

Contam-se décadas do tempo em que eles eram os únicos. Tinham de tudo para prover um lar. Da lenha ao pão fresco, que podia ser devidamente acomodado no saco de pano trazido de casa. Os armazéns de hoje pouco lembram os dos áureos tempos desse tipo de comércio – uns se modernizaram e viraram bares ou restaurantes, mas há os que resistem bravamente, com muita conversa boa ao pé do balcão e simpatia.
Os remanescentes, ainda que tenham sido obrigados a deixar as verdadeiras características de armazém, como a venda de produtos a granel, por exemplo, guardam o mais importante: “São referência para a comunidade a sua volta e cumprem papel fundamental dentro do setor do comércio local”, lembra o presidente da Federação do Comércio do Estado do Paraná, Darci Piana.
A longevidade das mercearias está amparada na fidelidade da clientela, no atendimento cordial do proprietário, nos imóveis antigos, quase sempre construídos para servir como comércio e residência, e, principalmente, na possibilidade de encontrar por lá a vizinhança para colocar o papo em dia. A reportagem da Haus tirou um dia para passear pela cidade e visitar quatro desses armazéns. Os donos, que há anos cumprem a mesma rotina de uma Curitiba de outros tempos, batem o pé e resistem às modernidades impessoais demais, na opinião em coro.
Mercearia clássica
“Somos teimosos, resistimos e nos reinventamos para sobreviver”, declara Amauri Simm, 65 anos, proprietário do Armazém Simm, no Cristo Rei. Há 74 anos, o comércio fundado por Erwin, tio de Amauri, mantém as portas abertas na Rua Padre Germano Mayer. Por lá tem de tudo, de alimentos, vassouras, produtos de limpeza a itens de papelaria. “Mas o forte hoje é o bar. Muitos clientes tradicionais vêm até aqui para encontrar os amigos”, afirma saudoso do tempo em que fazia grandes entregas de produtos para fregueses do entorno.
Como era de se esperar, o lugar guarda algumas relíquias entre as prateleiras cheias. É o caso da escada de madeira, usada desde a fundação e o mobiliário desgastado pelo tempo.
Apesar de reconhecer as dificuldades em tocar o negócio, Amauri avisa: “Podem voltar daqui 20 anos para mais uma reportagem, estaremos firmes.”
Herói da resistência
Vem ano, vai ano e tudo está como antes: a balança clássica vermelha, alguns pôsteres antigos e, atrás do balcão, Gabriel Alceu Zequinão, 81 anos, segura-se na boa companhia dos amigos para seguir tocando a Mercearia Zequinão. O local é uma mistura de venda de lenha e nó de pinho e da cachacinha para os amigos de longa data.
Aberto em 1950, o endereço já foi referência na venda de produtos alimentícios na região do Bacacheri, como marcam os livros de registro antigos mantidos nas gavetas do balcão. “Meus pais construíram essa casa e é onde eu moro até hoje. O comércio é mais uma atividade para eu não ficar parado, do que meu ganha pão”, afirma.
Referência no bairro
Para chegar até o antigo Armazém de Secos & Molhados Gorski, foi preciso perguntar aos moradores da área. Explicam que a numeração da Rua Tobias de Macedo Jr., no Santo Inácio mudou, mas o “bar do Dido” está ali, no fim da rua.
Chegando lá, biscoitos, um repolho e pés de alface fazem a referência ao comércio de produtos alimentícios do passado. Juracir Gorski, o Dido, 77 anos, descendente de poloneses, conta que há cerca de dois anos foi lentamente abandonando a venda de cereais, embutidos e outros. “Está chegando a hora de parar um pouco e descansar”, admite. Os herdeiros tomaram o rumo de outras profissões, mas ele sente orgulho de ter proporcionado uma vida confortável para a família por meio do armazém.
Seu Dido resistiu uns minutos para posar para a foto, mas ao fim da visita cedeu e refletiu. “Será uma boa lembrança”, comentou emocionado.
Pierogue e tamancos
Quem passa pela Avenida Senador Salgado Filho, no Uberaba, dificilmente deixará de reparar na casa de madeira alaranjada com um sem número de produtos à venda expostos na fachada. Há vassouras, enxadas, cestos de vime e muito mais. Lá dentro, a terceira geração de uma animada família meio ucraniana, meio polonesa, cuida de cada detalhe para manter tudo funcionando.
“Meus avós montaram essa casa e fundaram o armazém em 1934, eu, meu irmão Fábio e minha mãe Orlanda, resolvemos manter a configuração original, conservando as portas de madeira e o assoalho. Mas no atendimento, nos obrigamos a ampliar o leque de serviços, a partir de 1990, para poder sobreviver”, conta Ana Szpak, 42 anos. O local serve almoço e é ponto de encontro para happy hour.
Nos dois momentos é possível provar o pierogue da dona Orlanda. Mas quem precisar, por acaso, de um tamanco de madeira ou de uma panela de ferro, além de queijos crioulo com marmelada, também encontra no Armazém Santa Ana.
Juracir Gorski resolveu posar para posteridade e mostrar que seu armazém resiste entre alimentos, bebidas e boa conversa.
Juracir Gorski resolveu posar para posteridade e mostrar que seu armazém resiste entre alimentos, bebidas e boa conversa.
O tempo passou e o Armazém Santa Ana virou cool. Ana Szpak comanda com a família a venda de alimentos e artigos de “primeira” necessidade.
O tempo passou e o Armazém Santa Ana virou cool. Ana Szpak comanda com a família a venda de alimentos e artigos de “primeira” necessidade.

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