A velha música brasileira continua Bossa Nova

Inicialmente este termo referia-se a um jeito de cantar e tocar, até tornar-se sinônimo de um dos gêneros musicais brasileiros mais conhecidos em todo o mundo.

No final do ano de 1957, um show realizado por Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Sylvia Telles, Roberto Menescal e Luiz Eça no Clube Hebraica (RJ) já era anunciado como "... grupo bossa nova apresentando sambas modernos".
Considerada uma nova forma de tocar samba, a bossa nova foi criticada pela forte influência norte-americana, traduzida nos acordes dissonantes comuns ao jazz.

A letra das canções contrastava com as das canções de sucesso até então, abordando temas leves e descompromissados, definidos através da expressão "o amor, o sorriso e a flor", que faz parte da letra de "Meditação", de Tom Jobim e Newton Mendonça, e que foi utilizada para caracterizar a poesia bossa-novista.

Outra característica foi a forma de cantar, também contrastante com a que se tinha na época: "desenvolver-se-ia a prática do 'canto-falado' ou do 'cantar baixinho', do texto bem pronunciado, do tom coloquial da narrativa musical, do acompanhamento e canto integrando-se mutuamente, em lugar da valorização da 'grande voz'. A bossa nova nasceu casualmente, fruto de encontros da classe média carioca em apartamentos ou casas residenciais da zona sul, onde as pessoas se reuniam para fazer e ouvir música, e que se tornaram muito frequentes a partir de 1957.

O apartamento da família Leão, situado na Avenida Atlântica, em Copacabana, sediou muitos desses encontros. Na época, Nara, que se tornou a musa da bossa nova, então com pouco mais que 15 anos de idade, costumava receber Carlos Lyra e Roberto Menescal, entre outros amigos. O grupo foi aumentando, passando também a ser integrado por Ronaldo Bôscoli, Chico Feitosa, Luiz Carlos Vinhas, os irmãos Mário, Oscar, Iko e Léo Castro Neves e João Gilberto, entre outros. João Gilberto tornou-se a grande referência da bossa nova por ter "inventado" a batida do violão.

A nova batida podia ser ouvida nas faixas "Chega de saudade" (Tom Jobim e Vinícius de Morais) e "Outra vez" (Tom Jobim), no LP de Elizeth Cardoso "Canção do amor demais", lançado em 1958, no qual João Gilberto gravou o acompanhamento de violão que caracterizaria a batida da bossa nova e que o tornaria conhecido no mundo inteiro. O LP, gravado pelo selo Festa, foi inteiramente dedicado à nova dupla de compositores Tom e Vinícius, mas na verdade a estrela do disco era Vinícius, visto que o interesse era o de gravar suas poesias. Segundo Ruy Castro (CASTRO, Ruy. "Chega de saudade". São Paulo: Companhia das Letras, 1990) este disco "ao contrário do que se pensa hoje, não foi um sucesso quando saiu em maio de 1958" (p.175). No mesmo ano, João Gilberto gravou um 78 rpm contendo "Chega de saudade" e sua composição "Bim-Bom" e, no ano seguinte, lançou o LP "Chega de saudade". Essa música conta com cerca de 100 regravações, realizadas por artistas nacionais e estrangeiros. Segundo Tom Jobim: "A bossa nova de 'Chega de saudade' está quase toda na harmonia, nos acordes alterados, pouco utilizados por nossos músicos da época, e na nova batida de violão executada por João Gilberto”.

João Gilberto foi e ainda é referência para músicos de diversas gerações, incluindo Caetano Veloso, que assegura ter-se decidido a seguir carreira musical após ouvi-lo pela primeira vez. Por essa época, Tom Jobim já era músico conhecido na noite carioca. Sua obra contém músicas que fazem parte do repertório clássico da bossa nova, como "Desafinado" e "Samba de uma nota só", compostas em parceria com Newton Mendonça.

Ao lado de Vinicius de Moraes compôs, além de "Chega de saudade", outra das mais representativas deste gênero, "Garota de Ipanema", que se tornou a canção brasileira mais conhecida em todo o mundo, depois de "Aquarela do Brasil" (Ary Barroso), com mais de 169 gravações, incluindo a primeira, realizada em 1963 por Tom Jobim (Verve), a de Sarah Vaughan em 1964 (Mercury), a de Stan Getz em 1966 (RCA Victor), a de Frank Sinatra e Tom Jobim em 1967 (Reprise), e a de Ella Fitzgerald em 1971 (Pablo), entre as de outros artistas nacionais e estrangeiros.

Em 1962, foi realizado o histórico concerto no Carnegie Hall de Nova York, com a presença de Tom Jobim e João Gilberto, entre outros, inclusive o violonista Bola Sete, a cantora Carmen Costa, o percussionista José Paulo e o pianista argentino Lalo Schifrin, que pouco tinham a ver com a bossa nova. Por outro lado, apresentaram-se também Oscar Castro Neves, Agostinho dos Santos, Luiz Bonfá, Carlos Lyra, Sexteto Sérgio Mendes, Roberto Menescal, Chico Feitosa, Normando Santos, Milton Banana e Sérgio Ricardo. O espetáculo abriu as portas do mundo para este gênero.

No cartaz, o evento intitulava-se "Bossa Nova - New Brazilian Jazz". O show foi transmitido ao vivo para o Brasil pela Rádio Bandeirantes. Ressaltam-se como precursores da bossa nova, entre outros, Garoto, Bola Sete, Laurindo de Almeida, Luís Bonfá, João Donato, Janet de Almeida, Djalma Ferreira, Johnny Alf, Dolores Duran, Dick Farney, Lúcio Alves, Agostinho dos Santos, Dóris Monteiro, Elizeth Cardoso, Maysa, Silvinha Telles e Tito Medi. Numa primeira fase (1958-1962) destacam-se, além de Tom e Vinícius, compositores como Newton Mendonça, Aloysio de Oliveira, Billy Blanco, Carlos Lyra, Baden Powell, Oscar Castro Neves, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Durval Ferreira, Maurício Einhorn, Geraldo Vandré, Sérgio Ricardo, Sérgio Mendes, Luiz Eça e Chico Feitosa.
 
Tom e Vinicius

Os conjuntos vocais foram muito frequentes nessa época, ressaltando-se Os Cariocas, que inicialmente era formado por Ismael Neto, Severino Filho, Badeco, Waldir Viviani e Quartera, e posteriormente como quarteto, sem Ismael Neto, que morreu logo no início da bossa nova, e em seguida com a substituição de Waldir Viviani por Luiz Roberto. Numa segunda fase (1962-1966), destacam-se aqueles que podem ser considerados os filhos da bossa nova, como os irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, Edu Lobo e Ruy Guerra, Pingarilho e Marcos Vasconcelos, Dori Caymmi e Nélson Motta, Francis Hime e Lula Freire, Wanda Sá, Wilson Simonal, Orlandivo e Sílvio César.

Mais tarde, diversos compositores utilizaram e vêm utilizando o gênero em suas composições, como Chico Buarque, Toquinho, Caetano Veloso, Gilberto Gil, e mais recentemente Cazuza, só para citar alguns. Dentre os instrumentistas mais atuantes na época estão os integrantes dos grupos João Donato Trio (João Donato, Tião Neto e Milton Banana), Bossa Três (Luís Carlos Vinhas, Tião Neto e Edson Machado), Tamba Trio (Luizinho Eça, Bebeto Castilho e Hélcio Milito), Bossa Rio (Sérgio Mendes, Tião Neto, Edson Machado, Raulzinho, Edson Maciel e Hector Costita), Copa 5 (Meirelles, Tenório Júnior, Pedro Paulo, Manoel Gusmão e Dom Um Romão), Roberto Menescal Sexteto (Roberto Menescal, Eumir Deodato, Ugo Marotta, Henry, Sérgio Barroso e João Palma), Sambalanço Trio (César Camargo Mariano, Humberto Kléber e Airto Moreira), Sambrasa (Hermeto Pascoal, Humberto Claiber e Airto Moreira), Manfredo Fest (Manfredo, Mathias e Heitor), Milton Banana Trio (Milton Banana, Wanderley e Guará), Rio 65 (Salvador, Sérgio Barroso e Edson Machado), Salvador Trio (Salvador, Edson Lobo e Victor Manga), 3D (Antônio Adolfo, Carlos Monjardim e Nelsinho), Eumir Deodato e Os Catedráticos, além do grupo dos irmãos Castro Neves.


O Bossa Três, numa segunda fase, contou com a participação de Ronnie Mesquita e Otávio Bailey, assim como no Tamba Trio entraram os músicos Dórios e Ohana. Outros instrumentistas foram de igual importância, como Vitor Assis Brasil, Jorginho da Flauta, Paulo Moura, Franklin da Flauta, Formiga, Norato Aurino e Juarez Araújo. Uma das figuras mais significativas da bossa nova foi o saxofonista, compositor, arranjador e professor de boa parte dos instrumentistas e compositores desta época, Moacir Santos, que foi o arranjador do célebre disco "Sérgio Mendes e Bossa Rio", e depois "Vinícius por Elizeth".

Na atualidade, realizam-se inúmeros eventos dedicados à bossa nova, especialmente no Brasil e no Japão. Entre 2000 e 2001, foram realizados vários shows intitulados "40 anos de bossa nova", com Roberto Menescal e Wanda Sá, apresentado no Centro de Convivência Cultural de Campinas, São Paulo, entre outros lugares, além inúmeros palcos cariocas.

Dicionário mpb.com.br
BIBLIOGRAFIA CRÍTICA:
ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira - Criação e Supervisão Geral Ricardo Cravo Albin. Rio de Janeiro: Edição Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.

AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008.