Rio Grande do Norte, sábado, 18 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 7 de novembro de 2012

Ocupação da Reitoria/UFRN: uma estratégia fascista

postado por Daniel Menezes

Estou acompanhando, caros leitores e debatedores da Carta Potiguar, a ocupação da reitoria da UFRN por parte de um pequeno grupo de alunos e não compartilho das análises que atribuem positividade ao ato. Discordo também de um certo afago na alma que alguns não deixam de sentir, e não temem verbalizar, quando se vêem diante de uma ação coletiva, que seria a materialização romântica de uma suposta mística e irracional “potência subterrânea”.

É preciso lembrar que um alicerce de diálogo já foi estabelecido – a reitora institucionalizou uma comissão, com amplos poderes, para investigar os contratos questionados, que estão publicados no portal da universidade, a segurança terceirizada da UFRN, além de outros aspectos levantados. A maioria dos componentes da comissão é da oposição ao grupo da prof(a) Ângela Paiva, inclusive.

Ora, a ocupação da reitoria só teria legitimidade, se a instituição não tivesse efetivado o seu papel de, através de regras democráticas – cultivamos respeito por elas, não?! –, permitir amplo espaço ao contraditório, canais para a oposição se expressar e, se achar conveniente, indagar a atual gestão naquilo que acreditar ser relevante. Mas não é, nem de longe, o caso.

O que motiva os alunos milicianos é uma certa tentativa de subverter a lógica de legitimação acadêmica, que parece não agradá-los. Há um desprezo em relação à universidade, que se expressa nos ataques ressentidos contra quem eles enquadram como “intelectuais de gabinete”, “conservadores”, “conformistas”. O descontentamento diz respeito aos meios acadêmicos de crescimento na instituição. A luta é para subverter a lógica que valida os “intelectuais de gabinete” e endossar o perfil de discente, que seria o do “revolucionário”. Aquele que repudia a “teoria”, como no comercial da UnP, em favor de uma “prática” capaz de formar uma visão ampliada e engajada sobre o mundo. O deboche canalizado contra quem gosta de livros é a consequência. É o critério político esmagando o do desempenho. Este é o real pano de fundo sociológico da disputa. Daí toda a boçalidade estudantil, que é desesperadamente exposta, de alunos que se apresentam como unidades de resistência ao “poder”, imitando, conforme pode ser visto em relatos postados na internet, a gesticulação, a fala e os trejeitos dos atores dos filmes de cadeia e de crime organizado brasileiros (http://blogdoedmilsonlopes.blogspot.com.br/2012/11/a-estetica-do-crime-na-invasao-da.html).

O debate, que deve ser travado sem medo, tem de se efetivar em esferas minimamente democráticas e com regras básicas de diálogo. E é justamente o que os alunos que ocupam a reitoria e seus mantenedores (PSOL, Sintest, Pstu, etc) não prezam. Como discutir com atores que, sequer, sabem ouvir? O primeiro pilar fundamental de uma conversa é assegurar o direito de fala do interlocutor. Nem isso eles respeitam. Querem ser ouvidos – e estão sendo -, mas ligam uma sirene quando o opositor vai expressar seus pontos de vista.

O “movimento” faz uso de táticas autoritárias, não devemos ter medo de dizer. Não é porque são alunos e estão lutando por um fim supostamente superior, que podem tudo. A busca pelo bem supremo já serviu de justificativa para as maiores barbaridades. Eles picham o patrimônio público, achincalham quem discorda e não têm o menor pudor de sustentar uma pauta antiacadêmica.

É impossível enxergar como progressista uma atuação que usa da violência como estratégia política e utiliza a intimidação como maneira de desqualificar a instituição e seus representantes. Isto tem nome: fascismo. Mais. Não é reflexivo, nem muito menos crítico; em suma, não merece vingar na universidade.

Daniel Menezes

Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. Editor da Revista Carta Potiguar. Twitter: @DanielMenezesCP Email: dmcartapotiguar@gmail.com

2 Responses

  1. Túlio Madson disse:

    Acredito que, nesse caso, nem o romantismo, nem a mística, nem a irracionalidade, nem tampouco a “potência subterrânea” sejam o problema, principalmente porque todos esses elementos podem ser abordados dentro de um contexto acadêmico, isto é: dentro da “lógica de legitimação acadêmica” como você colocou. Nem tampouco acredito que há um desprezo pela “teoria”, uma vez que as ações podem ser respaldadas teoricamente dentro do “anarquismo ontológico” a la Hakim Bey, na criação de zonas autônomas temporárias e por ai vai. E acredito que uma parte dos que estão lá se apegam teoricamente a estes elementos, portanto não carecem de teoria, ao contrário, acredito que são teóricos demais ao ponto de tornarem-se idealistas.

    O problema, me parece, reside na própria estética adotada pelos ocupantes que foi erroneamente atribuída ao crime organizado, não se trata de uma “estética do crime organizado”, mas sim de uma estética marginal (camisa no rosto, linguajar, gestos, etc), atribuir a estética marginal ao crime organizado ou tráfico de drogas é puro preconceito, parte da ideia de que as pessoas marginalizadas são criminosas, você pode observar a mesma estética em periferias, em adolescentes de escolas públicas, em torcidas organizadas, e no entanto, não são pessoas criminosas em sua totalidade que as empregam. Se os criminosos TAMBÉM as empregam é porque essas camadas marginalizadas, que adotam essa estética, estão mais vulneráveis a entrar no crime do que as demais, por inúmeros fatores que não cabe aqui enumerar. Mas mesmo assim há uma parcela significativa, e mais danosa, do crime organizado que usa paletós, nem por isso as pessoas de paletós são tachadas de criminosos, assim como há outra parcela que só usa o que há de melhor em roupas de marca, os criminosos que se utilizam de uma estética marginal são apenas as vítimas sociais desses últimos.

    Não me canso de reiterar em todos os movimentos sociais que afloram por aqui: ações ESTÉTICAS, hoje em dia, infelizmente, importam mais do que ações POLÍTICAS.Há de se ter sim uma preocupação com a imagem, preocupação esta que certamente não houve com os ocupantes da Reitoria, por isso estão sendo tratados da forma como estão. Se for para divulgar vídeos (e o próprio fato da divulgação deles implica em uma necessidade deles em publicitar a causa) que sejam vídeos que beneficiem a sua imagem, se uma estética marginal causa pré-conceitos em um público até mesmo acadêmico, supostamente esclarecido, que se adote outra “imagem” se o objetivo for mesmo o de publicitar a causa e não apenas o de chocar uma sociedade conservadora como a nossa. Só não ficou muito claro para mim se o objetivo é mesmo o de difundir a causa ou o de “causar”.

  2. Daniel Menezes disse:

    Tulio,

    me desagrada ver um “movimento”, que diz ser defensor de uma discussão sobre um assunto, dentro de uma universidade, querer se comunicar com rostos cobertos, com xingamentos e provocações.
    Eu acredito na universidade como espaço pautado no debate reflexivo em que regras democráticas de diálogo e respeito devem prevalecer. Penso ser o seu ideal, inclusive. Há ruídos no processo? Sim, eles existem. Porém, eles não impedem que a gente siga em prol da construção de racionalidades substantivas.

    A discordância deve ficar no âmbito das ideias, mas nunca, nunca mesmo, deve caminhar para ataques pessoais.
    Além disso, compactuo do ponto de vista de Hannah Arendt, que enxergava como conservadora estratégias de violência como ferramentas da política. Pichar paredes e achincalhar adversários não parece ser o melhor caminho. Repito, mais uma vez, sobretudo numa universidade.
    Penso, por exemplo, que a segurança da ufrn, na forma como vem sendo feita, merece ser debatida. Mas, ao invés da ocupação da reitoria e postagem de vídeos provocativos no youtube, seriá mais relevante promover seminários, escrever para jornais, provocar a discussão, questionar aqueles que administram a UFRN. É o sentido da UFRN.

    Abs.

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