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IDENTIDADES SOCIAIS DE RAÇA E FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA INGLESA SOCIAL IDENTITIES OF RACE AND ENGLISH TEACHER EDUCATION DEVELOPMENT Vol.10 Número 20 jul./dez .2015 Susana Aparecida Ferreira¹ Aparecida de Jesus Ferreira² RESUMO: O texto faz parte de uma pesquisa de campo de maior abrangência e que está em andamento. É pesquisa em realização com a participação e colaboração de duas professoras de Língua Inglesa de uma escola pública no interior do Paraná. O presente recorte tem o objetivo de reetir acerca de algumas percepções das referidas professoras de Língua Inglesa a respeito de identidades sociais de raça durante o período de realização de ações de formação continuada. A pergunta formulada é: Quais são as percepções de duas professoras de Língua Inglesa acerca de identidades sociais de raça durante uma ocina de formação continuada? O referencial teórico versa a respeito de identidades sociais de raça (GOMES, 2005; SILVA, 2003; FERREIRA, 2004; SANTOS, 2005; FERREIRA, 2012a); documentos ociais, como a Lei Federal nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003); Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2005); Orientações Curriculares do Ensino Médio- OCEM- LE (BRASIL, 2006); livro didático (SILVA, 2008; TARINI, 2009; CAMARGO & FERREIRA, 2014; JORGE, 2014); também algumas contribuições da Análise Crítica do Discurso (VAN DIJK, 2012). A pesquisa se pauta na metodologia de pesquisa qualitativa, alicerçada no escopo da Linguística Aplicada (MOITA LOPES, 2006). Os resultados apontam que para o fato de que a formação continuada auxilia o professor com as reexões teóricas, bem como possibilitando a intersecção dessas com a prática pedagógica. PALAVRAS-CHAVE: Identidades sociais de raça. Ocina de formação continuada. Prática pedagógica. p. 755 - 769 ¹Doutorando pela Unioeste Universidade Estadual do Oeste do Paraná na área de Linguagem e Ensino, Linha de pesquisa: Práticas Linguísticas, Culturais e de Ensino. Pesquisadora da área da Linguística Aplicada, com o foco em formação de professores de línguas para a diversidade étnico - racial. su.aparecida.ferreira@gmail.com ²Doutora e pós-doutorada pela University of London, Inglaterra. Professora Associada da UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa e professora do Programa de Mestrado em Linguagem, Identidade e Subjetividade da mesma Universidade. aparecidadejesusferreira@gmail. com. João, 2015. ABSTRACT: This paper is a part of a larger piece of research, which is ongoing. That research is being accomplished with the participation and collaboration of two English language teachers at a public school in the state of Paraná. This specic paper aims to reect about some perceptions of these English Language teachers about social identities of race, during their teacher education development. The question that will be answered in 755 ISSN 1809-5208 e-ISSN 1981-4712 Vol. 10 U NIOESTE Número 20 - Jul/ Dez. 2015 p. 755 - 769 C AMPUS DE C ASCAVEL this research is: what are the perceptions of these two English language teachers about the social identities of race, expressed during a workshop regarding teacher education development? The theoretical framework focuses on the social identities of race (GOMES, 2005; SILVA, 2003; FERREIRA, 2004; SANTOS, 2005; FERREIRA, 2012); ofcial documents (Lei Federal 10639/2003; Diretrizes Curriculares para a Educação das Relaçoes ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, 2005; OCEM- LE, 2006); textbooks (SILVA, 2008; TARINI, 2009; CAMARGO & FERREIRA, 2014; JORGE, 2014); and also some contributions from critical discourse analysis (Van Dijk, 2012). The research methodology used in this paper was qualitative research, based on applied linguistics (MOITA LOPES, 2006). The results showed that teacher education development assists teachers with theoretical reections, as well as enabling the intersection of these reections with pedagogical practice. KEYWORDS: Social identities of race. English teacher education. Pedagogic practice. Introdução As questões que se referem às identidades sociais de raça em sala de aula de Língua Inglesa (LI) precisam ser trazidas e pesquisadas por diversos fatores: o número reduzido de pesquisas acadêmicas na área, a diculdade dos professores em aplicar a Lei Federal nº 10639/2003 – lei que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira em todo currículo escolar da educação básica em suas salas de aula ─ bem como a necessidade de se repensar essas questões para cursos de formação continuada, que possam auxiliar o docente com a reexão sobre identidades sociais de raça ao longo do período letivo. Compartilha-se, uma posição de Ferreira (2004, p. 2) sobre a certeza de que a disciplina de Língua Estrangeira tem mais do que a opção de colaborar com as reexões sobre identidades sociais de raça, pois tem a responsabilidade de fazê-lo. Dessa maneira, a temática deste trabalho discute sobre as percepções de duas professoras de LI do ensino fundamental, após uma ocina de formação continuada ─ de que participaram ─ a respeito de identidades sociais de raça, e como essas reexões puderam contribuir para uma formação crítica dessas docentes. A respeito do contexto da pesquisa, fazem, então, parte duas professoras de Inglês, suas respectivas turmas de 6º e 7º anos, em uma escola pública estadual, numa cidade do interior do Paraná. Foi oferecida uma ocina de formação continuada, aberta a todos os professores de línguas das escolas públicas da cidade que tivessem interesse a respeito da temática das identidades sociais de raça. Nessa ocina, as professoras tiveram a oportunidade de reetir conjuntamente a respeito da temática. Os dados aqui presentes referem-se apenas às duas professoras de LI que foram participantes colaboradoras da ocina de formação continuada. O objetivo deste trabalho é reetir acerca de percepções dessas duas professoras de Língua Inglesa. Assim, neste artigo, respondemos à seguinte questão: ─Quais são as percepções de duas professoras de Língua Inglesa acerca de identidades sociais de raça durante uma ocina de formação continuada? Considerando a pergunta de pesquisa, este artigo vai apresentado em três seções. Na primeira seção trata-se do tema das identidades sociais de raça e políticas educacionais e linguísticas; na segunda, da metodologia utilizada para a realização da pesquisa; e, por m, na terceira, da análise de dados com as impressões das professoras de Inglês acerca de identidades sociais de raça. Nas considerações nas vai, então, uma tentativa de resposta à pergunta proposta para este artigo e mencionamos algumas possibilidades de pesquisas futuras. 756 ISSN 1809-5208 e-ISSN 1981-4712 Vol. 10 U NIOESTE Número 20 - Jul/ Dez. 2015 p. 755 - 769 C AMPUS DE C ASCAVEL As identidades sociais de raça e as políticas educacionais e linguísticas Assim como Hall (2002), entendemos as identidades como algo em processo ou, nas palavras de Gomes (2005, p. 41), “[...] não é algo inato. Ela se refere a um modo de ser no mundo e com os outros”. Considerando que este artigo versa sobre identidades sociais de raça, é importante trazer aqui qual é a nossa denição a respeito de tal termo. Dessa forma, concordando com Gomes (2005, p. 43), trazemos o conceito de identidades sociais de raça como “[...] uma construção social, histórica, cultural. Implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial, sobre si mesmos, a partir da relação com o outro”. Esta pesquisa está dentro do escopo da linguística aplicada (LA, de ora em diante). Sendo assim, é importante mencionar que há um número crescente de pesquisas na LA que consideram as questões de identidades sociais de raça, tanto no ensino de línguas estrangeiras (FERREIRA, 2006; 2012; FERREIRA & FERREIRA, 2014; URZÊDA-FREITAS, 2012; PESSOA, 2014), bem como na análise de livro didático de Língua Inglesa e Língua Espanhola (FERREIRA, 2014a; JOVINO 2014; JORGE, 2014). Desde o processo de escravização, dado de maneira imposta (SANTOS, 2005, p. 2), a identidade racial negra não tem sido valorizada nem dado oportunidades igualitárias a que tem sido dado população branca, a população negra cresceu. No Brasil, de acordo com o Censo de 2010 do IBGE, a população negra (preta e parda) é de 50,7% do total da população nacional, e ainda temos o preconceito, a discriminação e o racismo velado e até explícito presente em nossa realidade social. Mais de uma década já se passou depois da promulgação da Lei Federal nº 10639/2003, que institui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. É, pois, mais do que tempo de se reetir a respeito das contribuições que foram desencadeadas a partir das manifestações do movimento negro e de outros setores da sociedade brasileira. Além da referida lei, é preciso considerar as próprias Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana ─ documento de 2004. Dessa maneira, cabe pensar como as políticas educacionais têm sido direcionadas para o reconhecimento da população afrodescendente e quais os benefícios efetivos e reais que as mesmas propiciaram para a população negra, que tem uma visível desvantagem social, histórica e cultural em relação à população não-negra (GILLBORN, 1995; CAVALLEIRO, 2001; 2005; GOMES, 2005; HENRIQUES, 2002; MUNANGA, 2003; GUIMARÃES, 2004; FERREIRA, 2007; 2009; 2012a, 2012b, 2012c; COSTA, 2012). Tais questões, como salientado por Silva (2007, p. 490), já estão sendo discutidas de forma mais efervescente desde meados da década de 1980 pelo movimento negro, culminando em muitas conquistas, como as referidas políticas educacionais e políticas linguísticas, Parâmetros Curriculares Nacionais ─ PCN, (BRASIL, 1998), Orientações Curriculares para o Ensino Médio ─ OCEM (BRASIL, 2006), Diretrizes Curriculares da Educação Básica para o Ensino de Língua Estrangeira ─ DCE-LE, (PARANÁ, 2008), mas ainda é necessário que sejam feitas reexões a respeito, principalmente no âmbito escolar, onde passamos boa parte da vida (re)construindo nossas identidades sociais. Essas políticas têm contribuído para a promoção da igualdade racial no Brasil. Para reetir sobre como essas mesmas políticas contribuíram para tal, trazemos contribuições de autores como Gentili e Sturbin (2013, p. 15), que apontam que o Brasil, na última década, teve um signicativo avanço no que se refere às políticas educacionais, focando nos direitos considerados essenciais para construir a cidadania e a igualdade. Isso se reete em todo o setor educacional, inclusive nas universidades (com políticas de entrada e de permanência na instituição). Avanços também têm ocorrido no âmbito das políticas linguísticas, como a Lei Federal nº 10639/2003, que, ao trazer a obrigatoriedade da inserção da cultura afro- 757 ISSN 1809-5208 e-ISSN 1981-4712 Vol. 10 U NIOESTE Número 20 - Jul/ Dez. 2015 p. 755 - 769 C AMPUS DE C ASCAVEL brasileira e africana no currículo escolar, promoveu signicativo avanço para a população negra no que se refere ao direito à educação. O Brasil é o segundo país mais desigual do mundo, segundo Theodoro (2013, p. 79), mas algumas ações políticas, como a criação da SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e os programas de ações armativas (como as cotas em universidades e bolsas de estudo) têm feito um trabalho signicativo para a promoção da igualdade racial no Brasil. Acrescentamos mais um item, que é a recente inserção das cotas raciais para concursos públicos. Concordamos com Gentili & Sturbin (2013), Lázaro (2013) e Theodoro (2013), ao entenderem que a instituição dessas políticas públicas foi um início, e início positivo, sem dúvida, mas que essas políticas foram surgindo também por pressão do movimento negro e não apenas por uma preocupação governamental, como coloca Gomes (2005, p. 39). Mesmo com políticas direcionadas, mais de 11 anos após a implementação da Lei Federal nº 10639/2003, muito ainda tem que ser feito para garantir igualdade e justiça no que tange às questões raciais no Brasil. Citando mais um avanço nessa questão, trazemos à análise o guia do PNLD de 2011 para a escolha dos livros didáticos de língua estrangeira de 2012. Esse guia marcou o início da distribuição de livros didáticos de língua estrangeira no Brasil, pois anteriormente, como já constatado por Ferreira (2011), os professores de LI compilavam seu próprio material de acordo com sua necessidade. O referido guia traz, em seu conteúdo, uma preocupação com “[...] reconhecer as marcas identitárias dos diversos alunos brasileiros, tais como gênero, raça e classe social [...]” (BRASIL, 2011, p. 12). Com certeza, a política do PNLD se torna um grande aliado para se pensar a respeito do que deve contemplar um LD, mas um avanço ainda maior tem que acontecer no sentido de preparar esses professores de LI para perceberem que o seu papel em sala de aula extrapola, e muito, o ensino das competências da LI. Isso está também pontuado pelas OCEM (BRASIL, 2006). É um papel político, crítico e reexivo, para formar opiniões, para contribuir para a construção das identidades sociais de raça em suas aulas. Abordando o problema da adequação do livro didático e questões de identidade racial, é importante destacar o livro organizado por Ferreira (2014a), intitulado “As Políticas do Livro Didático e Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Livros Didáticos”, que traz reexões sobre as políticas educacionais, linguísticas e identidades sociais de raça nos livros didáticos de línguas estrangeiras e língua portuguesa. O que entendemos a respeito desses avanços políticos é que são importantes e signicativos, no entanto ainda não atendem completamente às necessidade da população negra no Brasil. Assim, é necessário que essas políticas não existam apenas no papel, mas sejam postas em prática, no dia a dia em sala de aula, bem como nas formações de professores para a diversidade étnico-racial, pois, como já constatado nas pesquisas de Ferreira (2004, 2009, 2012b e 2014a), Camargo & Ferreira (2010), Ferreira (2011) e Ferreira & Ferreira (2015), os professores têm diculdades em trabalhar essa temática em sala de aula, portanto necessitam de mais reexão a respeito de como trazer a mesma para a sua prática pedagógica cotidiana. Metodologia de pesquisa Os dados apresentados foram gerados a partir de uma ocina de formação continuada destinada a professores de línguas de escolas públicas, em uma cidade no interior do Paraná. Essa ocina versou a respeito dos trabalhos com identidades sociais de raça em aulas de línguas. Ressaltamos que esta pesquisa se insere no escopo da LA (MOITA LOPES, 2006; 2013; PENNYCOOK, 2006; KLEIMAN, 2013). A LA não se resume a aplicação das teorias linguísticas na sala de aula, pois ela 758 ISSN 1809-5208 e-ISSN 1981-4712 Vol. 10 Número 20 U NIOESTE - Jul/ Dez. 2015 p. 755 - 769 C AMPUS DE C ASCAVEL transcende as questões de aplicabilidade, dialogando com ciências humanas, sociais e teorias críticas. Assim, segundo Kleiman (2013, p. 53), a LA focaliza a “[...] produção das realidades sociais pela prática discursiva [...]”. E Moita Lopes (2006, p. 23), ao falar da LA, na modernidade recente, reete acerca da necessidade de chamar a opinar aqueles que vivem a realidade pesquisada, trazendo a conhecer seus interesses, suas reexões. Isso foi possível por meio da realização da ocina de formação continuada que, em colaboração com as duas professoras de LI, que então tiveram a possibilidade de trazer suas percepções, seus interesses e suas reexões acerca da temática das identidades sociais de raça. Moita Lopes (2006, p. 97) aponta que, para que o professor consiga dar conta, no contexto de sala de aula, dos fatos que a linguagem envolve, sua prática pedagógica requer uma base teórica interdisciplinar. Dessa maneira, esta pesquisa insere-se nas bases da LA, ao passo que toda a investigação perpassa, também, pelo contexto aplicado ─ neste caso, a sala de aula. Assim, a pesquisa-ação foi unida à pesquisa intervenção para este trabalho, ao passo que, tanto a primeira como a segunda, têm suas conuências. Entendemos que a utilização tanto de uma abordagem, quanto de outra, depende dos objetivos de cada pesquisador. No caso desta pesquisa, apontamos que é possível mesclá-las e transitar entre elas sob as bases da LA. Neste artigo, trazemos os dados gerados na ocina em que foram utilizados os instrumentos de autobiograas, relatos reexivos e o diário de campo. Professoras de inglês: impressões acerca de identidades sociais de raça No início da ocina de formação continuada a expectativa parecia grande, as professoras se envolveram nas reexões e disseram não ter tido a oportunidade de fazer esse tipo de discussão. Depois, durante a formação, foi solicitado que as professoras zessem uma autobiograa sobre o racismo. Não houve roteiro para isso, o que visava que elas cassem mais à vontade para relatar as situações conforme viessem à mente e que fossem pertinentes para elas. A cada término dos encontros era solicitado um relato reexivo, livre mas relacionado com a temática do encontro. O diário de campo foi escrito com anotações feitas sobre o que ocorria nos encontros. As análises foram feitas de forma temática, a partir de fragmentos dos excertos das falas das professoras das autobiograas, relatos reexivos e do diário de campo. E, de repente... Percebe-se que o racismo sempre existiu! Durante o período da ocina de formação continuada, como foi explicado na metodologia, as professoras reetiram acerca da temática das identidades sociais de raça, zeram relatos reexivos a respeito dos encontros, escreveram autobiograa sobre o racismo e zemos anotações de diário de campo. As análises que seguem mostram como as professoras percebem o racismo. Por meio da análise, tanto das narrativas das professoras, quanto das anotações do diário de campo, foi possível perceber como o racismo pode estar latente ou oculto, visto que, no Brasil, raramente expõe-se o preconceito. Reina o mito de uma democracia racial (TEIXEIRA, 1992; GOMES, 1995; GOMES, 2005; FERREIRA, 2014a), que perpetuou uma ideia (falsa) de que o racismo não existe. Esse também é um motivo da naturalização ou da não percepção das situações de racismo que sempre ocorreram. No excerto acima, por exemplo, a professora Antônia, do 7º ano, traz a questão da discriminação social e racial como se fosse novidade, mas admite que ainda não sabe qual seria a reação se alguém da família, por exemplo, gostasse de uma pessoa negra. Relatando sobre assuntos que eu ouvi de meus pais que vieram do Rio Grande do Sul, onde eles conviviam com negros que trabalhavam na fazenda para os fazendeiros da época: 759 ISSN 1809-5208 e-ISSN 1981-4712 Vol. 10 U NIOESTE Número 20 - Jul/ Dez. 2015 p. 755 - 769 C AMPUS DE C ASCAVEL Negras das canelas nas são mais cuidadosas e trabalhadeiras no serviço de casa (fragmento autobiograa sobre racismo, profa. Antônia, 17/5/2014). A partir do fragmento acima é possível perceber a reprodução de estereótipos racistas (SILVA, 1995; SILVA, 2003; CAVALLEIRO, 2005; FERREIRA, 2011) historicamente perpetuados na família. Antônia, sendo uma mulher branca, disse nunca ter sofrido ou pensado sobre o racismo antes das reexões da ocina de formação continuada e disse não se lembrar de muita coisa relacionado ao assunto, principalmente de sua infância. Mesmo assim, no entanto, quando realizou a produção da autobiograa, lembrou-se de detalhes importantes como quando reproduzimos estereótipos racistas (FERREIRA & CAMARGO, 2010; FERREIRA, 2011; THEODORO, 2013; JOVINO, 2014; FERREIRA, 2014a) e não percebemos pelo fato de já estarem naturalizados nos discursos (SCHWARCZ, 1998). A respeito da noção de estereótipos, entendemos que eles são clichês e “[...] imagens cristalizadas ou idealizadas de indivíduos, cumprem o papel de produzir os preconceitos, as opiniões e conceitos baseados em dados não comprováveis da realidade do outro, colocando esse outro sob rejeição” (SILVA, 2003, p. 17). Quando a professora remete à negra da canela na, por exemplo, está a reproduzir estereótipos racistas, fato que ela disse não ter percebido até essa reexão dela. [...] agora eu consigo ver que posso chamar uma pessoa de negra sem ofender, antes eu tinha insegurança, agora entendi que este termo foi ressignicado (nota de diário de campo, profa. Gabriela, 26/6/2014). Na escola tinha uma amiga negra, a qual se sentia inferior às demais brancas da sala. Não gostava de sua cor e tampouco do seu cabelo pichaco, tanto que é liso agora. Seu namorado, que era branco, dizia: vamos colocar um prendedor em cada o de cabelo (fragmento autobiograa sobre racismo, profa. Gabriela, 17/5/2014). Esse excerto nos faz reetir a respeito da internalização do preconceito que Silva (2003) aborda. Esse preconceito tende a culminar na autorrejeição, tanto de si, quanto daquele que é seu semelhante. A professora Gabriela, nessa ocasião, reetiu sobre a questão do “não querer pertencer”, o desejo de mudar suas características para se sentir “aceita”, da não identicação da identidade racial. Ela foi a professora que mais conseguiu rememorar acontecimentos relativos ao racismo. Já a professora Antônia, na ocasião, teve um pouco mais de diculdade para lembrar. Segundo Gomes (2003), essas representações são construídas, reconstruídas, armadas não apenas dentro, mas também fora do ambiente escolar, por meio de um tenso processo. O cabelo “pichaco” da amiga em questão pode ter se tornado liso na atualidade a partir do sentimento negativo a que se remete o cabelo crespo como característica observável. É possível dizer, então, que “[...] o entendimento desse contexto revela que o corpo, como suporte de construção da identidade negra, ainda não tem sido uma temática privilegiada pelo campo educacional” (GOMES, 2003, p. 167). Situações como a apresentada no excerto acima apontam que a ideologia do branqueamento, que “[...] se efetiva no momento em que o negro internalizando uma imagem positiva do branco e uma imagem negativa de si, tende a se rejeitar, a não se estimar e a procurar aproximar-se em tudo do indivíduo estereotipado positivamente” (SILVA, 2003, p. 18). Como ideologia do branqueamento entendemos que: A ideologia do branqueamento se efetiva no momento em que, internalizando uma imagem negativa de si próprio e uma imagem positiva do outro, o indivíduo estigmatizado tende a se rejeitar, a não se estimar e a procurar aproximar-se em tudo do indivíduo estereotipado positivamente e dos seus valores, tidos como bons e perfeito. (SILVA, 2005, p. 23). Na faculdade, só tinha uma aluna negra em uma turma de 30 alunos. No mercado de trabalho, observo que uma minoria está em empregos que exijam um conhecimento intelectual... também li em uma pesquisa que o negro tem capacidade intelectual inferior 760 ISSN 1809-5208 e-ISSN 1981-4712 Vol. 10 U NIOESTE Número 20 - Jul/ Dez. 2015 p. 755 - 769 C AMPUS DE C ASCAVEL ao branco. No dia a dia, percebo que o racismo está presente em diversas situações na sociedade, na mídia, no esporte e enraizado na mente das pessoas (fragmento autobiograa sobre racismo, profa. Gabriela, 17/5/2014). A professora Gabriela consegue reetir a respeito da representação da pessoa negra no contexto educacional (FERREIRA, 2011; FERREIRA, 2012b; CAMARGO, 2012). Sabemos que essa representação ainda não condiz com uma população que tem mais da metade de seu povo se declarando afrodescendente. É o segundo país com a maior população negra no mundo, depois da Nigéria, segundo dados da Rede Angola. Tanto nos fragmentos analisados, quanto nas próprias falas das professoras no decorrer das ações de formação continuada, foi possível perceber que reetir sobre a temática foi uma novidade. Elas armaram que não haviam pensado nessas situações e, muitas vezes, não falavam nada quando acontecia alguma situação que parecia preconceito, porque temiam perder o controle da turma devido à indisciplina. Uma das professoras conta que Houve uma situação em que seu aluno sempre chegava na sala de aula cheirando suor, e os colegas tiravam sarro dele dizendo que era devido à sua cor (nota de diário de campo, professora Antônia, 23-4-2014).  Quando questionadas a respeito de qual era a atitude tomada quando acontecia algo similar, ou nesse próprio caso relatado, ela disse: Não z nada, porque não sabia como lidar com a situação, deixava passar sempre (nota de diário de campo, professora Antônia, 23/4/2014). Essas reexões realmente são necessárias se pensarmos que vivemos em uma sociedade em que “ser branco(a) é a 'norma', ou seja, a noção hegemonicamente estabelecida e legitimada indica que a brancura é associada a uma situação de privilégio [...]” (ROSSATO; GESSER, 2001, p. 11). Por meio das suas próprias narrativas, as professoras foram percebendo essas questões, contribuindo para, primeiramente, desconstruir o racismo que permeava o imaginário delas próprias, para, a partir daí, serem capazes de reetir com seus alunos. As autobiograas zeram as professoras rememorar seu passado e reetir sobre o racismo que já existia, mas só haviam parado para atentar para isso agora, no momento da reexão em sala. A reexão teórica a respeito de identidades sociais de raça possibilitou que elas preparassem seu próprio material, que seria aplicado posteriormente em suas salas de aula. Além disso, possibilitou a reexão sobre seus próprios discursos. Nesse sentido, concordo com o pensamento de Van Dijk: Uma vez que temos uma melhor visão desses complexos processos e representações cognitivos, talvez sejamos capazes de mostrar, por exemplo, como reportagens tendenciosas sobre imigrantes podem levar à formação ou conrmação de preconceitos e estereótipos, que por sua vez podem levar a – ou serem controlados pela formação de – ideologias, as quais, por sua vez, podem ser usadas para produzir novas escritas ou falas tendenciosas em outros contextos, que nalmente podem contribuir à reprodução discursiva do racismo. (VAN DIJK, 2012, p. 15). Essa reexão de Van Dijk (2012) vem ao encontro da proposta de desconstruir estereótipos por meio de uma reexão crítica em sala de aula ─ uma preocupação em não armar preconceitos deixando de falar sobre um assunto ou, simplesmente, não se pronunciando a respeito por falta de conhecimento ou de segurança sobre o tema, trabalhando assim as ideologias racistas veiculadas que se reetem também em sala de aula. 761 ISSN 1809-5208 e-ISSN 1981-4712 Vol. 10 U NIOESTE Número 20 - Jul/ Dez. 2015 p. 755 - 769 C AMPUS DE C ASCAVEL Reexões das professoras acerca de identidades sociais de raça no livro didático Para entender quais as percepções dessas professoras de Língua Inglesa (LI) a respeito da temática acerca de identidades sociais de raça no ensino de LI, foi utilizada uma atividade durante esse período que consistia em analisar o livro didático de Inglês que elas utilizavam em suas aulas. O motivo para a escolha de tal atividade foi entendermos que o livro didático ainda é o principal instrumento de trabalho de muitos professores. Assim, o entendimento de como as pessoas negras são representadas nesse livro (FERREIRA, 2014b; HENRIQUES 2002; SILVA, 2003; SILVA, 2008, JORGE, 2014) contribuiu, sobremaneira, para as discussões a respeito de identidades sociais de raça durante o período das ações de formação realizadas pela ocina. Durante a ocina de formação continuada, as professoras também tiveram a oportunidade de trazer seu livro didático de LI e analisá-lo no que se refere às representações de pessoas negras. O livro didático é um instrumento importante para a (re)construção das identidades sociais. Compartilhamos com Ferreira (2004, p. 29) que o livro didático pode inuenciar no modo como a pessoa negra se percebe no mundo, ou seja, pode incutir um posicionamento positivo ou negativo de sua identidade social de raça. Antes de analisar o livro em si, elas reetiram sobre o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) no tocante à inserção da temática das identidades sociais de raça. Nesta seção trazemos os dados gerados dos relatos reexivos e das nossas anotações de diário de campo, pois dados gerados possibilitaram reetir sobre o livro didático e as relações que as professoras zeram sobre identidades sociais de raça no contexto de LI. O LD ainda é o instrumento mais utilizado em sala de aula em várias disciplinas. No caso dos Livros de Língua Estrangeira Moderna, começaram a ser distribuídos gratuitamente pelo governo em 2011. Segundo Silva (2008, p. 15-19), a temática que aborda o racismo em LD já data dos anos 1950, mas foi graças às mobilizações tanto do movimento negro, como de pesquisadores e mesmo de governantes que essa temática teve inclusão nas políticas públicas e educacionais no contexto brasileiro, como já abordado na primeira seção deste artigo. A respeito do LD, uma das professoras diz o seguinte: Ah, mas agora já tem pessoas negras representadas nos livros didáticos em geral (nota de diário de campo, professora Antônia, 17/5/2014). Segundo Ferreira e Camargo (2014, p. 180), a população é representada de maneira homogeneizadora nos LDs. Assim, percebe-se que existe uma falta de atenção às “diferenças” nesses materiais. Entendemos que uma justicativa para que esta análise se tornasse um importante instrumento de geração de dados é que, segundo Silva, O livro didático ainda é nos dias atuais um dos materiais pedagógicos mais utilizados pelos professores, principalmente nas escolas públicas onde, na maioria das vezes, esse livro constitui-se na única fonte de leitura para os alunos oriundos das classes populares. Também para o professor dessas escolas, onde os materiais pedagógicos são escassos e as salas repletas de alunos, o livro didático talvez seja um material que supre as suas diculdades pedagógicas. (SILVA, 2003, p. 19). Justamente pela representatividade que o LD possui no contexto escolar (HENRIQUES, 2002; SILVA, 2003) e, especicamente, nas aulas de LI (FERREIRA & CAMARGO, 2014; CAMARGO & FERREIRA, 2014), se tornou um instrumento que suscitou importantes discussões. No livro do 6º ano, a professora Gabriela quanticou um total de 123 pessoas brancas para 43 pessoas negras. Sobre esse fato, a professora menciona: [...] quei impressionada ao ver a diferença quantitativa de guras de negros e brancos, eu, 762 ISSN 1809-5208 e-ISSN 1981-4712 Vol. 10 U NIOESTE Número 20 - Jul/ Dez. 2015 p. 755 - 769 C AMPUS DE C ASCAVEL realmente nunca tinha olhado para isso [...] (Nota de diário de campo, professora Gabriela, 24/5/2014). Já no livro do 7º ano, a professora Antônia quanticou 241 pessoas brancas para 49 pessoas negras. Ela também se sentiu surpresa, pois não acreditava, segundo ela, que a diferença seria tamanha. A professora Antônia também disse: [...] entendo que mesmo que apareçam guras de pessoas negras, é necessário que o professor saiba trabalhar estas guras para não estereotipar os que ali aparecem (Nota de diário de campo, professora Antônia, 24/5/2014). As discussões proporcionadas durante os encontros possibilitaram reexões mais críticas sobre o LD. Quando a professora Antônia fala que se deve ter atenção na maneira como o LD apresenta a pessoa negra, também que o professor tem de ser mais crítico nesse sentido, ca claro que a própria professora, durante a ocina de formação continuada, já tende a ter mais criticidade em relação à temática, visto que ela se preocupa em não armar estereótipos que não favoreçam e identidade racial negra, entendendo que “[...] o professor pode vir a ser um mediador dos estereótipos se for formado numa visão acrítica das instituições e numa ciência tecnicista e positivista, que não contempla formas de ação e reexão” (SILVA, 2003, p. 19).  A partir dessa análise quantitativa e qualitativa das professoras, foi possível reetir a respeito da representação das pessoas negras (FERREIRA, 2014; HENRIQUES, 2002; FERREIRA & CAMARGO, 2014; JOVINO, 2014; JORGE, 2014) nos livros que elas trabalham e que ajudaram a escolher de acordo com o guia do PNLD, pois não haviam em nenhum momento realizado uma reexão desse tipo. Após o término do momento de análise, elas escreveram o seguinte no relato solicitado: O professor precisa estar atento em perceber como os conteúdos ou personagens negros estão sendo representados, se correspondem aos objetivos propostos pelos documentos. Ao analisar o livro didático do 6º ano, percebi que o mesmo apresenta alguns personagens negros, embora a maioria brancos, mas cabe ao educador trabalhar de forma crítica, mostrar aos alunos outras possibilidades e não apenas reproduzir o que a sociedade apresenta (fragmento relato reexivo, professora Gabriela, 26/4/2014). A professora Gabriela percebe, por meio das reexões e de sua análise, que, mesmo que o LD traga algumas imagens de pessoas negras, mesmo estas sendo em número bem menor (FERREIRA, 2004a, p. 156), é necessário um trabalho crítico por parte do professor para que os estereótipos não sejam reforçados, mas, sim, desconstruídos. Ela exemplica: [...] às vezes não paramos para pensar o porquê que achamos estranho quando vimos um negro de carrão (Nota de diário de campo, professora Gabriela, 26/4/2014). Nesse sentido, “os materiais didáticos são um exemplo da divisão étnica e do racismo velado a escola, muitos livros têm uma postura preconceituosa, machista, classista – em especial os materiais de Inglês, esses são marcados pela ideologia do branqueamento [...]” (FERREIRA & CAMARGO, 2014, p. 180). As professoras mostraram interesse pela temática e reclamaram do material que utilizam, pois eles trazem questões sobre raça. [...] Depois da análise cou bem mais claro (Nota de diário de campo, professora Gabriela e professora Antônia, 26/4/2014). Assim, quando perceberam a desproporção das representações entre pessoas negras e brancas, bem como os estereótipos apresentados, pois o LD reproduz, em grande 763 ISSN 1809-5208 e-ISSN 1981-4712 Vol. 10 U NIOESTE Número 20 - Jul/ Dez. 2015 p. 755 - 769 C AMPUS DE C ASCAVEL parte, por meio dos estereótipos, a ideologia da inferiorização das diferenças étnicoculturais e raciais, as duas professoras informaram que isso tudo lhes cou mais evidente agora. Esta falta de representação da pessoa negra no LD analisado pelas professoras participantes da ocina de formação continuada também suscita a discussão de como é importante que o próprio professor de Língua Inglesa procure reetir acerca das questões de identidades sociais de raça, pois ele mesmo vai ajudar na escolha do LD que vai para a sua sala de aula. Dessa maneira, “[...] muitos alunos são invisíveis, não são representados nos livros e, no processo de seleção e escolha do livro didático, não são representados por professores, que escolhem os livros que mais apreciam” (TARINI, 2009, p. 49). As professoras disseram que querem aproveitar as reexões realizadas durante a ocina de formação continuada em sala de aula, mesmo após a aplicação da sequência didática, e também querem cumprir as exigências a respeito da implantação da Lei Federal nº 10639/2003. Ao término da ocina de formação continuada também foi solicitado um relato reexivo, assim como nos outros encontros. Trazemos abaixo exemplos de excertos desses relatos: A ocina contribuiu para repensar minha prática pedagógica em relação à temática, a qual não está sendo colocada em prática, pela falta de conhecimento de como trabalhar de forma ecaz, que realmente contribua para a mudança da realidade, desenvolver nos educandos o senso crítico, utilizando os recursos de multiletramento que podem ser trabalhados de diversas formas (fragmento relato reexivo, profa. Antônia, 26/6/2014). A ocina possibilitou um maior conhecimento, reexão da temática raça, etnia e sugestões de como trabalhar com o tema nas aulas, visando combater o racismo existente na sociedade. Aprendi também a diferenciar alguns conceitos como raça/etnia/preconceito/racismo... os quais eram confusos para mim [...] (fragmento relato reexivo, profa. Gabriela, 26/6/2014). O período da ocina de formação continuada pode contribuir para reexões teóricas e práticas das professoras de Inglês. Nas falas acima, as professoras mencionam a contribuição para tais questões e a preocupação com a criticidade, com a elaboração de materiais, tendo em vista um objetivo a ser atingido, no caso em pauta, a reexão a respeito das identidades sociais de raça. Muito importante para essas docentes também foi reetir a respeito das identidades de raça e perceber como elas aparecem no LD, contribuindo para o entendimento de que, se o professor percebe a falta de representação do negro em seu material, ou mesmo a presença estereotipada do mesmo, ele pode otimizar o LD, contribuindo para representações identitárias positivas (JORGE, 2014). Entendemos que as professoras perceberam que têm autonomia sobre o material que utilizam em sala de aula. Considerações nais A pergunta de pesquisa proposta ao início foi: - Quais são as percepções de duas professoras de Língua Inglesa acerca de identidades sociais de raça durante uma ocina de formação continuada? Para a essa pergunta responder, reetimos a respeito das barreiras cotidianas que os professores enfrentam no contexto escolar e que também podem inuenciar na sua expectativa inicial negativa em relação à aplicação do material desenvolvido durante a ocina de formação de professores em suas salas de aula de LI. Ferreira (2004, p. 2), em um workshop desenvolvido com professores negros e brancos, também pontuou que essas barreiras, que esses professores enfrentavam no ambiente escolar, dicultavam, inclusive, a visão ou a percepção de questões raciais. Ferreira (2004, p. 2) ainda traz, em seu trabalho, que os professores de Língua Inglesa que participaram do referido workshop tornaram-se mais conantes em relação ao trabalho com o tema raça/etnia, fato que foi 764 ISSN 1809-5208 e-ISSN 1981-4712 Vol. 10 U NIOESTE Número 20 - Jul/ Dez. 2015 p. 755 - 769 C AMPUS DE C ASCAVEL percebido por meio da observação dos materiais didáticos produzidos durante o curso. Entendemos que as professoras que participaram da ocina de formação de professores tratando da temática identidades sociais de raça também se tornaram mais conantes. Essa conança foi percebida tanto durante a ocina por meio das reexões, durante a produção da sequência didática em sala e, principalmente, na aplicação do material produzido em sala de aula, pois que essas professoras perceberam que “[...] a disciplina de língua inglesa, além de outras disciplinas, é um lugar de construção de identidades sociais de raça/etnia de uma forma crítica” (FERREIRA, 2012d, p. 21). Como demonstrado nas análises dos fragmentos das autobiograas, relatos reexivos e diário de campo, percebemos que as professoras de Inglês se tornaram mais críticas em relação ao trabalho com identidades sociais de raça, promovendo a desconstrução de estereótipos e de preconceitos, e que o Brasil não se constitui na democracia racial que elas imaginavam ser. A partir das reexões sobre seus materiais didáticos, perceberam a falta de representatividade do negro nesses materiais e a presença estereotipada no LD. Elas foram capazes de repensar sua própria prática, pensando como poderiam lidar com situações de racismo em sala de aula, por exemplo. No que se refere à sugestões de pesquisas futuras, entendemos que mais pesquisas que observem a atuação de professores em sala de aula trabalhando com o tema de identidade social de raça precisam ser feitas. Notas ³Foram publicadas algumas reexões sobre identidades de raça contidas neste trabalho como capítulo de livro: FERREIRA, S. A. FERREIRA A. J. Identidades sociais de raça/etnia e os multiletramentos. In: BORSTEL, C. DAMKE, C. von (Orgs.). Bilinguismo, discurso e ensino. São Carlos, SP: Pedro & João, 2015. 4 Não haverá identicação da cidade, das professoras, alunos ou mesmo da escola. Assim, para que se possa preservar a identidade, serão utilizados nomes ctícios atribuídos por elas mesmas. O Projeto passou pela aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, CAAE: 25742214.5.0000.0107. Seguindo a regulamentação do Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de outubro de 1996. 5 As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana foram publicadas no ano de 2004 para regulamentar a Lei Federal nº 10639/2003. Neste trabalho, utilizei uma versão impressa do documento que tem a publicação datada do ano de 2005. 6 Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio foram instituídos como Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio por meio da Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998, precedida por debates com setores organizados da sociedade civil e de formulações de consultores e especialistas na área educacional. 7 As “Orientações Curriculares para o Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias” estão divididas em três volumes: Volume 1 ─ Linguagem, códigos e suas tecnologias; Volume 2 ─ Ciências da natureza e suas tecnologias; Volume 3 ─ Ciências humanas e suas tecnologias. Foram publicadas pela Secretaria de Educação Básica e o Ministério da Educação em 2006. Mesmo que esta pesquisa não adentre ao ensino médio, entendemos que é importante entender o que trazem esses documentos no que se refere à discussão de identidades sociais de raça. 8 As Diretrizes Curriculares da Educação Básica para o Ensino de Língua Estrangeira foram publicadas pela Secretaria do Estado do Paraná em 2008. 9 Gomes (2005, p. 56) pontua que o mito da democracia racial consiste na crença em “[...] uma sociedade em que os diferentes grupos étnico-raciais vivessem em situação real de igualdade social, racial e de direitos”. 10 O itálico diferencia a fala das professoras das citações feitas a partir de livros ou outros textos. 11 Dados extraídos do endereço eletrônico: <http://www.observatoriodonegro.org.br/ index.php/pesquisas/119-numero-de-negros-em-universidades-brasileiras-cresceu-230-na-ultima- 765 ISSN 1809-5208 e-ISSN 1981-4712 Vol. 10 U NIOESTE Número 20 - Jul/ Dez. 2015 p. 755 - 769 C AMPUS DE C ASCAVEL decada>. 12 Neste período de ações de formação continuada reetiu-se também a respeito de como a teoria dos multiletramentos pode contribuir para a prática pedagógica do professor de línguas, mas esta questão não será aprofundada neste trabalho.  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